Membros do CicloTrilhas Floripa trabalham voluntariamente na manutenção dos percursos, como no bairro João Paulo
por GUSTAVO BRUNING
publicado original em Notíticas do Dia em 04/03/2017
Apesar da escassez de ciclovias nas ruas de Florianópolis e dos riscos enfrentados por ciclistas em meio aos carros, um grupo de entusiastas do ciclismo levou a paixão pelo esporte mais além. Adeptos do mountain biking, que consiste em percorrer trajetos mais rudimentares que as estradas, criaram o CicloTrilhas Floripa, um projeto que busca conservar e readequar trilhas e que completou dois anos no último mês. Ao lado de dois membros do grupo, o ND percorreu um dos percursos adaptados, no bairro João Paulo.
Desde fevereiro de 2015, o grupo já trabalhou em quatro trilhas em Florianópolis. A primeira empreitada foi no Maciço da Costeira, percurso que tem cerca de 6 km de extensão. As intervenções são feitas inteiramente pelos membros – o projeto não conta com nenhum investimento público. “O trabalho realizado na criação de um circuito de qualidade como este custaria pelo menos R$ 150 mil. Apenas em São Paulo há outros do tipo, e eles são todos privados”, explica um dos criadores do grupo, o programador Alexandre Schulter, 35 anos, de Blumenau.
Durante a manutenção, os membros atuam ao lado de técnicos para planejar a inclinação e a erosão do solo em trechos específicos, além de se preocupar com a forma como a água da chuva percorrerá a área. “O principal inimigo da trilha é a água. Se ela for mal projetada, acaba destruída”, afirma Alexandre, que pratica mountain biking desde 2003. O caimento, a drenagem e o estudo da trilha, portanto, exigem um planejamento.
Desafio em João Paulo
Ao lado de Alexandre, o engenheiro mecânico gaúcho Cristiano Sarturi, 37 anos, guiou a reportagem ao longo dos 3 km da trilha JP, como é conhecida pelos ciclistas, considerada a mais acessível da região – apesar disso, é categorizada como intermediária. O local se tratava de uma travessia e, após os trabalhos do grupo, ganhou o formato de circuito. Em certo momento, possui uma subida de seis curvas, algo incomum na categoria. Alexandre esclarece que a decisão de aumentar o número de curvas foi tomada com o intuito de evitar uma subida íngreme demais.
“Não queremos deixar tudo pavimentado”, conta Alexandre. Em alguns casos, o trajeto se adaptou em função das peculiaridades da área, como no fim da trilha JP, onde uma grande árvore chama a atenção por causa de seus belos galhos e raízes cercadas de pedras. “Tínhamos que fazer um caminho alternativo por aqui, para que as pessoas pudessem ver esses detalhes da natureza. Isso faz parte da graça de conhecer a trilha”, diz Alexandre.
O percurso da trilha do bairro João Paulo passa por uma APP (Área de Preservação Permanente), além de uma área privada da Casan. Em trechos mais altos, a quantidade massiva de pinheiros denuncia que se trata de uma área degradada. O trabalho realizado pelo CicloTrilhas Floripa no local teve início no fim de 2015 e até hoje passa por ajustes.
Segundo Alexandre, 434 ciclistas percorrem as quatro trilhas monitoradas pelo grupo entre janeiro e dezembro de 2016 – a informação é do aplicativo de ciclismo Strava. Além disso, famílias com crianças e animais de estimação costumam frequentar o trajeto, que pode ser iniciado pela Rua Vereador Domingos Fernandes de Aquino. O caminho é indicado por fitas azuis presas em troncos de árvore. Uma sinalização mais clara, no entanto, já foi criada pelo grupo CicloTrilhas Floripa. “Temos os modelos das placas prontos, porém não temos autorização para colocá-las”, declara Cristiano.
Em um dos trechos, uma pequena rampa de madeira aponta em direção a uma descida abrupta. Alexandre explica que se trata de um drop, que muitos ciclistas preferem evitar. Para “saltar” de bicicleta através do drop, não basta pegar velocidade. “É preciso estar na marcha certa e ter muita confiança”, garante.
Trabalho em equipe
O foco do grupo é a conservação de trilhas e a legitimação da prática de mountain biking nos percursos. Atualmente há 50 integrantes ativos, que exercem as mais diversas profissões – de dentistas a designers. Todos participam voluntariamente das atividades. Eles se encontram nos finais de semana e arrecadam dinheiro para a compra e aluguel de ferramentas que auxiliam nas intervenções. “Nós que botamos a mão na massa”, brinca Cristiano.
O projeto foi inspirado em trabalhos de intervenções em trilhas realizados em diversas partes do mundo. Os objetivos, neste momento, incluem encontrar abertura para discutir novos projetos com a Prefeitura e contar com mais segurança nos trajetos.
Durante a caminhada pela mata, Alexandre comenta as similaridades entre a capital catarinense e a cidade litorânea Cairns, na Austrália. Na equivalente australiana, o sistema de trilhas para mountain biking já dava as caras na década de 1990. “Florianópolis é perfeita para essa atividade por conta das montanhas e de toda a área verde”, diz.
“O ciclista gosta da natureza e quanto ele está na trilha acaba se tornando um monitor”, garante Cristiano. No bairro João Paulo, a chegada do grupo contribuiu para que a presença de motociclistas na mata se tornasse escassa. “Eles faziam disputas à noite e incomodavam moradores da região com o barulho”, conta Alexandre. Com o apoio da associação de moradores, também foi possível dispersar os usuários de drogas que ficavam no local.
Através da página do grupo (facebook.com/ciclotrilhasfloripa) é possível acompanhar os trabalhos do CicloTrilhas Floripa.
Trilhas readequadas para ciclistas em Florianópolis
- Maciço da Costeira, que liga o Pantanal ao Córrego grande
- Caminho do Travessão, que liga o Morro da Lagoa ao Monte Verde
- JP, situada no João Paulo
- Trilha da Fazendinha, situada no Pantanal