A Austrália é um país muito grande, com uma área total similar ao Brasil. A maior parte do seu território é um deserto, contudo a região de Queensland tem clima tropical. A cidade de Cairns, que abriga uma população de 150.000 habitantes, experimenta todos os anos uma estação chuvosa de novembro à maio, e uma estação relativamente seca de junho à outubro.
A cidade de Cairns é um destino turístico muito popular por causa da Grande Barreira de Corais, que é uma das Sete Maravilhas do Mundo. Atrações turísticas incluem kitesurfing, mergulho e rafting.
O zoneamento do município de Cairns é repleto de áreas de preservação verdes, que contam com inúmeros quilômetros de trilhas para pedestres e uma parcela destas é adequada e regulamentada para o ciclismo.
Existem similaridades entre Florianópolis e Cairns. O clima, a vegetação, o espírito voltado à qualidade de vida, à natureza e a atividades de recreação ao ar livre. Cairns é uma cidade grande, contudo não é uma capital.
O que não é amplamente conhecido sobre esta cidade da Austrália é que ela abriga o maior número de trilhas para mountain bike em uma região tropical no mundo. É pouco, se comparado com lugares mais populares, como Vancouver (Canadá), Colorado (EUA), Rotorua (Nova Zelândia) ou mesmo dentro da própria Austrália, em Canberra. Contudo, a qualidade e os diferenciais específicos do local impressionam.
Como que os australianos chegaram a esse nível de desenvolvimento nessa região?
Surgimento do movimento
O Cairns Mountain Bike Club é uma organização sem fins lucrativos que foi formada no final dos anos 80 durante a promoção de vários eventos esportivos. Por causa desse clube, a cidade de Cairns chegou receber o campeonato mundial de MTB nos anos 90. O clube é responsável por cuidar de uma extensa rede de trilhas em exuberantes florestas tropicais.
O Clube é baseado no trabalho voluntário de entusiastas que trabalham pela valorização do esporte na região. Ele tem laços fortes com outros clubes e com o Governo de Queensland/Austrália e seus órgãos ambientais. Sua visão é de fornecer trilhas sustentáveis e de qualidade para quem curte ciclismo off-road.
Pelo menos um dos locais usados para o ciclismo, o Smithfield Conservation Park, foi antigamente uma pedreira, um lugar degradado que posteriormente foi tomado por jipes e motos e depois foi adotado pelo pessoal da bike, que fez uma verdadeira recuperação da flora e fauna do local. Até pouco tempo ainda houve transgressão de motorizados na área, mas rapidamente contido pelo Clube em colaboração com as autoridades.
Seus membros, através de contribuições, viabilizam os custos envolvidos. Os valores pagos por membros são bem baixos e o Clube também conta com patrocínio de empresas, geralmente lojas de peças e serviços.
Parceria entre comunidade e poder público
Além do clube dos ciclistas, da população de Cairns também surgiu o Bushwalkers Club ou, em português, Clube dos Caminhantes do Mato. Os caminhantes também se organizaram desta forma para fazer uso consciente do meio ambiente, oferecem organização de atividades em grupo e fazem trabalho de conscientização sobre mínimo impacto ao eco-sistema. Eles recebem dinheiro de seus membros e também contam com ajuda de patrocinadores.
No website do Governo de Queensland/Australia encontram-se informações sobre todos os parques florestais da região de Cairns. Cada parque conta com informações sobre flora e fauna, regras e restrições de uso. As informações são tão detalhadas e avançadas que concluímos haver por trás disso um grande trabalho realizado ao longo de décadas.
Há um total 73 parques verdes (!!!), dos quais 22 deles (!!!) permitem o uso da bicicleta. Há áreas onde múltiplos tipos de uso são regulamentados, como pesca, canoagem, caminhadas e até acampamentos. Em contraste, há áreas onde nada disso é permitido ou, no máximo, apenas caminhada.
Política de abertura e fechamento das trilhas de bicicleta
O Cairns Mountain Bike Club organiza eventos competitivos, eventos sociais, reuniões mensais com os membros e eventos voltados para crianças. Ele é responsável pela manutenção de 4 áreas de ciclismo de montanha no município de Cairns: Smithfield MTB Park, Mareeba, Port Douglas e Atherton Forest.
Esse clube tem a responsabilidade de manter todas as trilhas acessíveis publicamente. Essa responsabilidade inclui a proteção das áreas que os bikers frequentam, e as vezes trilhas precisam ser fechadas. Razões para o fechamento de trilhas incluem o seguinte:
- Quando um evento organizado pelo clube está sendo preparado, de forma a garantir a segurança dos competidores e outros na área
- Durante a manutenção ou atividades de contrução de novas trilhas onde o acesso pode ser bloqueado
- De suma importância durante intempéries climáticas (secas ou chuvas), quando o uso provavelmente causa danos às trilhas ou quando as condições não estão seguras
Fechamentos de trilhas são avisados pelo website do clube, redes sociais como o Facebook e na entrada da trilha, onde placas e avisos são usados para indicar quais trilhas estão abertas e fechadas.
O clima em Cairns é favorável para o uso das trilhas durante o ano inteiro, diferente de outros lugares mundo afora onde há, por exemplo, acúmulo de neve no inverno. Nos meses do verão, quando há a maior incidência de chuvas, os fechamentos podem se estender de uma semana até um mês ou até mais. Nesse caso os ciclistas devem se preparar para pedalar em outros lugares, como no asfalto, por exemplo.
Os australianos consideram que a ignorância não é uma desculpa e não obedecer o requisito de ficar longe das trilhas resultará em advertências e multas. Estragos causados pelo uso incorreto das trilhas custam ao clube tempo e dinheiro. Aumenta o tempo de trabalho das equipes de manutenção, as quais são todas compostas por voluntários, os quais prefeririam estar pedalando do que corrigindo danos que poderiam ter sido evitados.
Os pioneiros
O jornal Cairns Post fez uma entrevista com os pioneiros do mountain bike da região. No início dos anos 90 eles eram apenas adolescentes que exploravam lugares remotos em cima da bicicleta. Frequentemente ficavam perdidos na mata e tinham que dormir sem ninguém saber onde estavam. Glen Jacobs, o mais velho, faz do trabalho em trilhas e consultoria sobre projetos envolvendo novas trilhas sua segunda profissão.